O Brasil de 2020 é um hospício a céu-aberto. Isso é comprovado toda semana com notícias bizarras em vários rincões desta gigante nação sul-americana, deixando roteiristas de séries e filmes com a autoestima baixa, fazendo-os crer que não são capazes de criarem histórias tão insanas e inesperadas. Quem passa pelo mesmo problema desta vez são certamente os músicos de heavy metal (principalmente os de black e death). Estes que sempre se esforçaram em chocar o mundo com músicas e imagens ferindo instituições religiosas centenárias, nunca imaginaram que veriam casos como os ocorridos no Brasil com a deputada federal pelo PSD/RJ e pastora evangélica, Flordelis e do Padre Robson em Goiás, por exemplo. Ficção e realidade mostrando que são mais próximos do que imaginamos.
Flordelis sempre foi conhecida como uma pessoa que batalhou para sair da miséria através da igreja, sendo cantora gospel e posteriormente pastora, pregando em várias comunidades carentes do Rio de Janeiro. Adotou vários filhos e sempre se mostrou solidária em ajudar os outros, o que fez com que ganhasse votos e entrasse para a vida política. Entretanto, no início desta semana, as autoridades revelaram que ela foi mandante do assassinato do próprio marido, morto em 2019. Marido que foi seu filho adotivo e namorou uma filha biológica da deputada, que depois se separou da irmã, para casar com a própria mãe (parada sinistra, como dizem os cariocas). Além de tudo, o assassinato, ao que tudo indica, foi feito em família e surgiram provas de que algumas das várias adoções foram feitas de forma ilegal.
Paralelo a isso, outro fato em evidência ao mesmo tempo, foi do Padre Robson, em Trindade/GO. Ele foi acusado de desviar dinheiro de fiéis e ainda ser vítima de extorsão, por parte de um hacker que foi seu amante e este mesmo informou que teria provas dessa relação e também relações do padre com outros indivíduos. Robson, claro, foi afastado de suas funções profissionais.
Mas e o heavy metal em meio a isso? Surgido de fato há 50 anos, o estilo ficou estigmatizado como anticristo, antirreligioso, a favor do Satanás e outros rótulos semelhantes. Em muitos casos, as bandas faziam críticas (construtivas ou não) evidenciando as mazelas das instituições religiosas, como a lavagem cerebral, custo abusivo dos dízimos, além dos escândalos de pedofilia. Em alguns casos, passando do limite, como a cena de black metal na Noruega, onde igrejas foram queimadas.
Sempre foi comum ouvir que certos headbangers eram loucos e tinham certas atitudes apenas para aparecer. Em partes pode ser verdade, mas nunca as críticas e deboches em relação aos religiosos foi tão evidente e real quanto os casos acontecidos essa semana no nosso País. Pastora e padres matando e abusando da fé alheia, respectivamente, para ter mais poder e dinheiro. Além dos contornos tragicômicos de tais episódios.
O heavy metal tem seus defeitos e falhas ao longo das décadas (isso poderá ser abordado em outra coluna), mas o grande mérito sempre foi criticar as religiões. O mais difícil dos poderes, pois, seus devotos, em sua maioria, não aceitam críticas às suas crenças e deuses. É um tabu a ser quebrado e o heavy metal é quem mais faz com maestria. Não é fácil expor as feridas de quem se sente acima do bem e do mal, principalmente de seus líderes, que em muitos casos saem impunes, devido a sua influência política nas sociedades. Entretanto, os dois episódios brasileiros mencionados acima, mostram que tais críticas e ofensas de grupos headbangers são verdadeiras. Talvez os contornos das tais histórias, sejam muito surreais.
Para mostrar que o metal pesado sempre evidenciou as más atitudes de certos líderes religiosos, esta coluna, separou algumas músicas que fazem críticas severas ao comportamento destes seres.
Confira:
Iron Maiden – Holy Smoke
Desde a chegada de Bruce Dickinson, o Iron Maiden passou a ter letras de músicas com temáticas mais ricas em conteúdo e em história. A Donzela conseguiu, através de vários álbuns, relatar fatos do passado e de vários lugares do planeta, além das críticas ao presente momento.
O destaque na matéria é a segunda canção do álbum “No Prayer for the Dying” (1900), Holy Smoke (Santa Fumaça), que faz críticas aos pastores que abusam dos seus fiéis e sempre pedem mais dinheiro. A música dos britânicos também menciona Jimmy Swaggart (com a maldosa alcunha de ‘Reptile’) que fazia muito sucesso em programas televisivos dos Estados Unidos e viu ali um meio de popularizar ainda mais a religião evangélica. Chegou a renunciar do cargo em 1988, depois de ser flagrado com uma prostituta. Voltou a atuar na televisão nos anos 2000, mas sem o mesmo impacto.
Death – Spiritual Healing
Pioneiros no estilo que leva o nome da banda, o Death se destacou, dentre vários fatores, por fazer críticas ferrenhas e pertinentes aos pastores evangélicos, que abusavam da fé alheia para ter poder e dinheiro. Os estadunidenses sempre se mostraram críticos ao quão mal uma religião pode fazer para um povo.
Deicide – In Torment in Hell
O lendário Deicide é mais uma banda que marcou história por criticar ferozmente as religiões. Entre várias músicas boas e contra religiões que os estadunidenses possuem, a escolhida foi In Torment in Hell, do álbum homônimo lançado em 2001. A introdução é um diálogo entre um fiel mostrando ser submisso ao seu Senhor, pois, em troca terá um terreno no paraíso, caso se comporte de acordo com as leis Dele.
Kreator – Enemy of God
Referência no thrash metal alemão, o Kreator nunca teve medo de se posicionar, mesmo sabendo que poderia perder público. Ao longo de sua carreira, o Kreator sempre criticou o autoritarismo, o capitalismo, as injustiças sociais e claro, a religião. Tudo isso, regado a vocais rasgados, com riffs e baterias, bem agressivos.
O destaque aqui fica para o Enemy of God, do álbum de 2005 que tem o mesmo nome da música e enfatiza o quão a humanidade já guerreou em nome de um Deus e em nome da religião. Quem sabe não paremos de nos matar em nome de Deus e não nos unimos contra o motivo de nossas guerras?
D.R.I. – God Broke
Conhecidos por criarem o Crossover (amado e odiados por muitos), o D.R.I., logo em seu primeiro álbum, lançou a música God Broke (Deus está falido). Em 65 segundos, os estadunidenses usam a criatividade para mostrarem todo o seu descrédito em relação aos estelionatários da fé.
“Deus é verde, um rosto numerado. Um fantasma sagrado fraudulento…Dinheiro no caixa é como uma auréola na sua cabeça.”
Confess – The-Hell-Ran
Se ser headbanger e critico de religião em países da América e da Europa já é difícil, imagina em nações como o Irã, onde ainda é uma teocracia e a liberdade é muito restringida. A banda Confess ficou famosa em 2015, pois, dois integrantes foram parar na cadeia, por terem feito músicas criticando o islamismo e poderiam ser condenados a pena de morte. Em 2017, ambos acabaram pagando a fiança e se refugiaram na Noruega, escapando da punição. Em 2019, o governo iraniano condenou Siyanor (um dos músicos) a 12 anos de prisão e meio de prisão e 74 chibatadas. Já Chemical (o outro músico) foi punido com dois anos em regime fechado.
Belphegor – Vomiton Upon the Cross
Impossível fazer um especial sobre bandas de heavy metal que criticam as religiões e não citar o Belphegor. Os austríacos chocam não só com a brutalidade do som e da letra, mas com os clipes extremamente agressivos. No caso deste vídeo, há tiros disparados na cruz de Jesus Cristo e também uma freira se masturbando com um crucifixo.
Vader – Helleluyah (God is dead)
A letra nos remete ao pensamento mais famoso do filósofo Friedrich Nietzsche, ‘Deus está morto, eu o matei’, onde as pessoas começam a se desapegar dos dogmas religiosos e se sentirem livres para ser o que quiserem, sem ter que seguir regras de um ser poderoso e que o vigia a todo o momento. Uma das músicas mais impactantes dos poloneses do Vader.
Sarcófago – Descreation of virgin
Uma das lendas do heavy metal brasileiro, e para muitos, um dos criadores do black metal, o Sarcófago, em seu primeiro álbum I.N.R.I, faz toda uma sátira a tudo que é sagrado no catolicismo. Os mineiros diminuem os feitos de Deus e enaltecem o demônio.
A música abaixo, Desecreation of Virgin, fala da mãe de Jesus, que deixou de ser virgem após fazer orgia com demônios e sentir prazer no ato sexual. Alguém se lembrou de um caso similar ocorrido esta semana?
Ratos de Porão – Igreja Universal
O grupo paulistano mostra que seus discos lançados nos anos 80 e 90 seguem muito atuais, infelizmente. Digo isso, pois, mostra que não evoluímos como sociedade. O Ratos de Porão, de fato, estão entre as bandas de rock mais importantes do Brasil e suas letras como referência do que era é o nosso povo. Isso se deve ao fato das críticas cirúrgicas que fazem da nossa sociedade. Claro, a religião não ficaria de fora. Muito menos a Igreja Universal. No disco Anarkophobia, de 1991, o R.D.P. está a música que leva o nome da igreja evangélica mais famosa no Brasil. A letra não poupa críticas nem aos pastores e nem aos fieis que abraçaram a causa em nome de um lugar no céu.
‘Em troca de dinheiro ele te fará feliz. Você chorou de emoção. Em nome da verdade .Nas mãos de um charlatão. Você é um imbecil…’
Ratos de Porão – Beber até morrer
Finalizamos, de forma descontraída,com a música Beber até morrer, que nesse ano de 2020 parece que é o que nos sobrou.
Gostou? Infelizmente em todas as listas de qualquer tema, sempre fica algo de fora. Caso lembre de algum som que mereça a menção, faça-o nos comentários.
Colaboraram: Flávio Diniz e Guilherme Santos